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CUTI. Não veio ninguém. Jornal Cecune, Ano II, nº 5 Jan/Fev/Mar/95, Porto Alegre, RS, p.6

Entre quatro paredes também se encontra emperrado o Movimento Negro. A produção conjunta de idéias e suas formas mais comuns de disseminação (conferências, palestras, seminários, cursos, encontros...) apresenta seu erro maior: ausência de público.

Eventos que demandam dedicação dos militantes, tempo, dinheiro, público e privado, “ficam a ver navios”. Por vezes, pesquisadores de outros estados ou de outros países chegam e encontram, como se diz, “meia dúzia de gatos pingados” (ou privilegiados?). Perplexos, os militantes reclamam da comunidade, queixam-se, argumentando terem conseguido matérias nos grandes jornais (quem os lê?), etc. Chega-se a dizer que nós negros só queremos saber de diversão, que se fosse um “show” de música haveria muita gente, o pessoal não prestigia e blá-blá-blá.

Em primeiro lugar, os militantes com sua razão. Ora, quem faz esforço (gratuito, na maioria dos casos) para promover um evento e não encontra resposta na presença das pessoas, sente-se no direito de reclamar.

Em segundo lugar, razão para o público ausente, pois não foi suficientemente motivado a comparecer. Algumas vezes, nem chegou a ser avisado.

Agora, uma pequena reflexão na busca de caminhos para superar este problema de mobilização que já está, infelizmente, tornando-se crônico entre nós.

Alguém já disse que a propaganda é a “arma” do negócio. A substituição da palavra “alma” por “arma” não é gratuita. Uma arma é usada quando se está em oposição a alguém, quando se tenta vencer um contrário. Hoje, a propaganda já não esconde essa oposição: há os que desejam vender um “produto” e os que têm alguma possibilidade de adquiri-lo.

O Movimento Negro, se não está em guerra, está em luta. E sabemos que só com a maioria informada e mobilizada que se realizam mudanças fundamentais na sociedade.

As atividades ligadas à transmissão do conhecimento, oralmente e ao vivo, não são nada populares. Lembram quase sempre a chatice da escola. Isso demonstra a fragilidade de nossa democracia política e a força de nossa ditadura econômica. A maioria das pessoas está desmotivada para ouvir e discutir assuntos que lhe digam respeito. Quem lhes tira a motivação e por quê?

Atualmente, a felicidade é tida como a capacidade de consumir bens e serviços. Cerveja, carro, viagem, iogurtes, tudo enfim nos é apresentado como sendo um passo para a felicidade ou, no mínimo, para um grande bem-estar. Há a criação da necessidade feita de forma sutil ou agressiva pelas empresas de publicidade. O nosso querer não tem, portanto, a autonomia que imaginamos. Por outro lado, um bem (que muitas vezes pode ser um mal) a ser consumido é pensado antes de sua produção e mesmo depois do consumo. Tudo planejado. É o “marketing”.

Se consideramos, a grosso modo, a palestra, o seminário, o fórum de debates, seja lá o que for, como um “produto” a ser “vendido” (não importa que seja gratuito, pois nesse caso paga-se com a adesão ou a incorporação de idéias) é necessário que se pense nos consumidores, em suas resistências e gostos. Tenta-se, a partir daí, adequar o “produto” ao consumidor e este ao “produto”.

Cabe uma pergunta: as pessoas querem, de fato, ouvir explicações sobre a história do negro, racismo, cultura afro, etc.? Antes de pensarmos a resposta, é preciso completar a pergunta: quais pessoas?

Ninguém, em sã consciência, vai vender gravata em porta de escola de samba. Embora antipática, ou parecendo elitista, a verificação prévia do perfil do público mais propenso a aceitar o que se tenta oferecer é fundamental. Quando mais resistência as pessoas tiverem a certo produto, maior e mais intensa deve ser a divulgação.

Não podemos dar guarida à idéia de que, por sermos negros, somos todos iguais. Há gosto, interesse, pré-disposição diferente nas pessoas. Mas, todos nós somos atingidos pelo processo que nos faz invisíveis nos meios de comunicação de massa.

As práticas de nossas organizações têm demonstrado que o amadorismo é, ainda, o maior entrave para a disseminação de idéias positivas quanto à nossa imagem e combate ao racismo. Às entidades negras, presas e métodos de divulgação ultrapassados, talvez fosse bom citar uma frase de um mestre de capoeira, Mestre Sombra: “Ser negro é difícil, mas quando a gente consegue é gostoso”. Ser negro, por este prisma, trata-se de um vir-a-ser. Um caminho para a felicidade.

O conservadorismo caseiro de certos militantes contribui para que se desconsidere a evolução das áreas do saber, dentre as quais a de propaganda e “marketing”, e que se continue a fazer da consciência negra um processo penoso e desagradável.

Desde a concepção inicial de um evento até o momento de sua realização há muitas etapas a serem consideradas, bem como a necessidade da atuação e orientação de profissionais. Se a divulgação não foi considerada com a seriedade que merece, não adianta, depois, diante da ausência de público, ficar culpando este ou aquele ou mesmo o próprio ausente. Nessas ocasiões, podemos sempre perguntar:

- As cadeiras estão mesmo vazias ou as cabeças foram cortadas?

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